domingo, 23 de junho de 2019

Travessia da Serra Fina

💬

Primavera de 2018.
Finalizei a Pedra da Mina numa condição terrível de sofrimento.
Após uma noite miserável de frio, dores, feridas e hematomas, desci a montanha ganhando novos machucados.
Cheguei à Fazenda Serra Fina só o pó da rabiola, arrastando os pés feridos, os músculos em frangalhos e com uma ideia que ia contra todas as dores que  estava sentindo: iria voltar.

E voltei!😎
Voltei no level power e atravessei  a Serra Fina.
Também conhecida como a travessia mais difícil do Brasil  (e eu adoro falar isto).


Inverno de 2019.⛄
Chegamos em Passa Quatro-MG no início da madrugada, meu imprescindível parceiro de montanhas e eu, e tivemos livre o dia de pré-travessia.



Cobraram um preço absurdo para nos levar de carro até uma cachoeira próxima (Cachoeira Gomeira). Preferimos encarar os quase 8 km de caminhada e, de quebra, ir conhecendo a cidade.
Percurso simples: Passa Quatro - Cachoeira Gomeira


Este bar é a referência pro início da estradinha que leva até a cachoeira.🍻
E foi onde descobrimos que poderíamos pegar um ônibus circular (que custou R$ 2,50) e descer na frente da nossa hospedagem.



Este seria o banho mais gelado que tomei na vida.
Na inocência de quem iria descobrir o que é banho gelado de verdade, nos próximos dias.⛄




Travessia da Serra Fina - 1º dia 💥


Chegamos na madrugadinha à Toca do Lobo e já catamos 5 litros de água.💦💦💦




A água é límpida, mas não dispensei o clorin.🐍



No meu passinho de tartaruga, seguimos rumo ao topo do Capim Amarelo.🐢
Inúmeras pessoas que iriam pernoitar apenas lá e voltar no outro dia, e, ainda, pessoal do bate-volta, galera treinando pra KTR (deixo aqui a promessa que um dia vou participar). Todo mundo ultrapassando a mim e minha mochila com 20 kg.



Na subida pro Capim Amarelo tem uma quebrada no Quartzito que dá para descer e abastecer com água.💦
Teria diminuído o sofrimento de trazer tanta água lá da Toca do Lobo.
Foi bastante sofrido.😕




Dá pra ouvir o barulhinho da água do Quartzito neste vídeo. Na próxima, não erro.






A menina dos meus olhos desta travessia: Passo dos Anjos.💙
Já estava super cansada, mas passar por aí restaurou tudo.


Apenas por rever estas imagens, trazer as lembranças para hoje, já fico entusiasmada.
É surreal viver isto aí.






Alan me esperando no caminho.👀
Foi o que ele mais fez neste trekking: me esperar.
Esperar, ajudar a colocar a mochila nas minhas costas cada vez que eu precisava levantar, esperar, vibrar com cada obstáculo que eu conseguia vencer (e que ele passava como se fosse fácil) e esperar.
Parceria é generosidade!💪


Chegar ao primeiro cume da Travessia foi um dia de perrengue, sufoco e superação.
Segue o fio até os 2570 m mais fantásticos que um primeiro dia pode oferecer...




Meu abraço caloroso pra quem deixou estas cordas no caminho.💜




"Minha porrinha", companheira da travessia e me representando nas fotos. Hoje rebatizada de Emília.👻









Chegamos ao topo do Capim Amarelo com disposição para aproveitar o que restava do sol e seguir para o Maracanã.

E aqui começa um dos maiores perrengues da minha vida.💣

Até o capim Amarelo não tem muito como errar... trilha batida e muita gente passando. Do Capim pra frente é que são separados os que voltam com conforto e os que seguem a travessia para quase perder a dignidade, como eu.😝

Por 1 segundo, não levamos o GPS em conta e acreditamos que dava pra seguir "paralelo" ao que ele estava mostrando.😭

Aqui foi o grande erro desta aventura. O resultado foi cair numa super pirambeira. Pirambeira do mal. Pirambeira do capeta.👿

O desespero batendo na porta do pânico leve...

Respiramos e juntamos tudo o que restava de força para empurrar a mochila pra cima e subir esfregando a barriga na parede de barro e mato.💀

Até agora não sei como consegui sair dali.
Entendi muito o Sid da Era do gelo: A gente vai morrer!😁

A ideia de que o sol estava se pondo e que a gente ia se lascar MUITO quando o frio chegasse só não era mais aterrorizante do que saber que absolutamente ninguém iria achar a gente ali, tão fora da trilha.
Instinto de sobrevivência é um negócio incrível!

Até aquele momento, nunca me senti tão fodástica nesta vida.😎










Superada a pirambeira, colocamos os rabinhos entre as pernas, aproveitamos os últimos raios de sol e montamos a barraca.
Não quis saber de jantar, de socializar, de simpatia... apaguei merecidamente.😶


2º dia 💥




Acordando na felicidade de quem superou um "quase nos lascamos ontem" e a alegria acabou quando percebemos que o botijão do gás não encaixava no fogareiro.
Vc só pensa em uma coisa: Puta merda!😭😭😭

Começamos a calcular se dava pra continuar sem consumir o que ia pro fogo. 
Seria quase impossível finalizar pq levamos sopa em saquinho para cozinhar todos os dias, mas a ideia de desistir não estava sendo aceita.😖










Resolvemos seguir e doar o botijão para um pessoal que passou a noite no Capim e já iria descer. Assim, diminuiríamos o peso e o aperto na mochila.✌
Eis que o guia do grupo ofereceu o fogareiro velhinho dele, mas que encaixava no gás, e levou o nosso novo.💚
Foi o melhor negócio!

Carinha feliz de quem comeu feijão com verdura cozida no café da manhã e estava ótimo!🍵










Começamos a descer o Capim Amarelo bem tarde, quase 09h30. O guia que ficou com o fogareiro disse que o Maracanãzinho é menor que o Maracanã, mas que haveria grande chance de ter um fio de água por perto.
Maracanãzinho, então.💦



Aqui é pose de quem está limpinha, de banho gelado tomado.👩
Montamos o acampamento e fomos caçar água.💦
Dá uns 100 metros de ladeira, mata fechada a dentro, até encontrar uma bica com vazão de água de uma torneira de pia.
Suficiente.

Tomamos banho ( Só jogando água no corpo com cuia, sem produtos nem sujeira 👀), lavamos utensílios e eu subi pra buscar os tambores de água, sozinha, no meio da mata já escurecendo, sem comunicação com absolutamente ninguém, só esperando sair um Pé Grande de dentro de uma moita.💦

Foi a segunda vez que mais me senti tão fodástica na vida.😎

Esta subida sozinha foi o divisor de águas no meu medo de fazer coisas desacompanhada.👻
A partir dali, percebi que consigo ir, dormir, subir, atravessar, qualquer lugar sozinha (desde que não tenha bicho ou água) (mas vou superar isto também).😏



Destaque para as garrafinhas de água cheias de cachaça. Indispensáveis!🍸




3º dia💥


Dormimos num frio do cacete. ⛄
Meu parceiro não teve uma noite de paz, comigo tremendo.
Acordamos com uma camada de gelo envolvendo a barraca, então eu tinha muita razão para choramingar.


Desmontamos tudo e seguimos.




Caminhamos o dia inteiro, com inúmeros obstáculos.💪
A Serra Fina te maltrata fisicamente, mas se não tiver preparo psicológico, o negócio desanda.👽

Paramos no Rio verde, um pouco antes da Pedra da Mina💦.
Comemos, tomamos banho e seguimos para o ponto mais alto da travessia.

-
Quando subi a pedra da Mina, no ano anterior, tudo o que eu queria era ver o sol se pôr no topo da pedra.😻
Quase consegui.
Cheguei ao paredão que antecede o cume, notei a despedida do sol e sentei ali pra apreciar. 
Foi lindo!🌞🌄
-

Desta vez, estava decidida a ver o pôr do sol no pico.
E não consegui.😐
Ficamos novamente no paredão perto do cume, mas do outro lado.

De todo jeito, foi o pôr do sol mais lindo da minha existência.💗💛

Vou fazer a Serra Fina de novo pq preciso deste pôr do sol na pedra da Mina.💛









Esta é a foto da minha vida, até aqui.💖

Não sei descrever o que estava sentindo aí.💖
Acima das nuvens, observando aquele rio de algodão descendo...💖




No pico da Pedra, a lua nascendo.🌚
Sinceramente, não sei como não chorei.
Foi surreal!!!🌝





4º dia 💥




Assinando pela segunda vez este livro sagrado e com a certeza de que assino a terceira.😎





Como esperado, não acordei pra ver o sol nascer pq o frio estava inacreditável de malvado.😌

Foi um início de manhã puramente contemplativo.😙
Estava nas nuvens.
Acima delas, aliás.
Feliz demais!😊



Descemos a Pedra sentido o vale do Ruah e, como estávamos ousados, deixamos as mochilas na base do Pico do Avião e resolvemos subir para ver os destroços.😎



E foi aqui uma das minhas maiores burrices: tirei a segunda pele e o blusão.😓
Subir um paredão que chega a quase 2800 m de altitude, exige, inevitavelmente, proteção contra o vento e o frio.😓

Me lasquei de verde e amarelo.😵

Além do perrengue de escalaminhar o Pico do Avião, o frio estava acabando comigo.
Comecei a ficar com muita dor de cabeça.

Cheguei lá em cima zangada, cheia de arranhões, hematomas, morrendo de frio, com a cabeça explodindo e, pra lascar, fiquei com medo de ir até o barranco ver os destroços. 

Ou seja, não vi o raio do avião caído.😡




Passado o aborrecimento, devidamente vestida, atravessei o Vale do Ruah.

Não sei responder como, mas não enfiei o pé na água em nenhum momento.😎
Cheguei ao outro lado com a bota sequinha.
Uma trilheira profissional demais!😜

É quase um campo minado. Só que, no lugar das bombas, charcos. É pisar e afundar. Venci!😆



Encontramos um pessoal na saída do Ruah, onde paramos pra tomar o banho safado (da água de degelo) mais sofrido de toda minha existência.😣


A saída do Ruah não foi fácil.
Capim elefante confundindo tudo.🌿🌿🌿

Deixamos para pegar água no último ponto possível e... perdemos.💦

Foi uma agonia. 
Voltei um bom trecho, no meio de um capim mais alto que eu, pra encher os tambores.💦
Calculei erradíssimo a descida pro rio e caí em uma mini pirambeirinha.😓

Cheguei ao rio escorregando no mato.
O problema foi subir de volta.
Alan ficou em um morrinho segurando as mochilas e não tinha como ele me ouvir, muito menos me achar.😐

Lá fui eu me lascar de novo...

Subi assim: empurrava os tambores de água e me abraçava no chão, na barreira. Terminei toda suja, depois de escorregar várias vezes, mas àquela altura minha confiança estava inabalável.😎






A meta era dormir no Três Estados, mas...

No Pico que antecede o Três Estados caiu uma neblina terrível e perdemos a trilha.👻
Foi um negócio meio assustador, pq onde estávamos não dava pra montar barraca. 
Era crista de um pico. 
Barranco dos dois lados.💀

Veio aquele pânico maroto e sentamos pra comer.
De bucho cheio é mais fácil.🙈
Ainda vimos um tipo de ratinhos marrons  mais felpudos e gordinhos que conheci na vida.🐁


Alan com as mochilas, sinalizando com a lanterna pra que eu pudesse me localizar e conseguir retornar, desci no escuro pelo paredão até encontrar um totem.

Um abraço caloroso pra galera dos totens!💘

Conseguimos descer este morro e acampamos num vale cheio de bambus, na base do Três Estados.
Foi a noite mais protegida de ventos.


5º dia 💥




Chegamos ao Três Estados e foi um pouco decepcionante.😐
Muita sujeira no local de camping.

Aliás, do  Três Estados pra baixo, encontramos muito lixo. Bem triste.😕
Levamos shit tube💩 e deixamos o menor impacto possível na travessia.
Infelizmente, esta regra não está sendo levada à sério.😟

No fim das contas, foi melhor ter dormido no vale dos bambus.




Detalhe pro chapéu de palha apontando para o lado mineiro do pico.👒
Os outros dois são os limites de Rio de janeiro e São Paulo.




Crianças felizes demais!😁



A partir daí foi sentimento de despedida.💔

Muita chicotada de bambu na cara, preocupados em aproveitar os raios de sol, aceleramos o passo mesmo com minhas pernas se queixando.

A preparação para este trekking foi intensa.
Cinco meses de rodagens longas com mochila nas costas.💪
E não cheguei nem perto do que sofri (feliz) na Serra Fina.




Descemos apanhando muito da vegetação🌲😭, mas a esta altura, parceiro, vc se sente tão poderoso por conquistar a travessia mais difícil do país😏, que já acha que pode mandar o currículo pros Vingadores.💫

A montanha transforma!💚





A última refeição foi no Alto dos Ivos.🍅
O sinal de celular começa a querer pegar.📴
Vai caindo a ficha que está acabando...😟




Chegamos ao Sítio do Pierre quase 19h, no escuro, acabados, mas ainda no céu.😊😊😊
Vinícius, nosso resgate, nos esperava preocupado e ficou animado com nossa vitória.

Chegamos em Passa Quatro e ganhamos a cidade se preparando para o Corpus Christi, que seria no outro dia.
A rua se enchendo de flores madrugada a dentro. Lindíssimo!🌺🌻🌼




E a gente comemorando merecidamente no primeiro bar disponível.🍷🍸




Faz 2 anos que fizemos a Travessia da Serra Fina e, ainda hoje, olho para estas imagens com um orgulho da porra de ter conseguido e  uma vontade imensa de fazer de novo. 👸
Claro, se Alan, a quem eu vou agradecer eternamente pela amizade, parceria, paciência e cantorias de Mamonas Assassinas nos momentos de cansaço, aceitar esta pobre tartaruguinha esforçada novamente.🐌
Pq sozinha não tem condições.😏


Treinamos duro e com seriedade.
Usamos GPS, mapas, Maps e Wickloc.
E, ainda assim, quase tudo foi surpresa.

Meu imenso respeito pela Mantiqueira.
E todo meu amor pela Serra Fina.💜
Volto!👊